O estremocense Sérgio Malacão, ex-Comandante do posto da GNR
de Coruche, desmentiu categoricamente em tribunal ter praticado quaisquer actos
de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos ou
cometido agressões violentas sobre três vendedores ambulantes que foram detidos
na sequência de desacatos ocorridos nas festas da vila, em Agosto de 2010.
Acusado pelo Ministério Público (MP) de três crimes de
tortura, praticados dentro do posto da GNR, e dois de ofensas à integridade
física qualificada, sobre duas mulheres familiares dos queixosos, Sérgio
Malacão, que actualmente presta serviço no Posto da GNR de Setúbal, afirmou-se
inocente perante o coletivo de juízes que o começou a julgar no dia de ontem
terça-feira, 19 de Março, no Tribunal de Coruche.
Na versão do primeiro-sargento, houve realmente uma luta
corpo a corpo entre ele e dois dos queixosos, Carlos e Diamantino Dias, quando
estes se recusaram apresentar a sua identificação no recinto das festas.
Segundo o ex-comandante, depois de alertado por populares de
que estavam feirantes a fazer “venda agressiva” no recinto da festa, dirigiu-se
ao local “fardado” e “sozinho”. Disse que, aí chegado, os vendedores “recusaram
identificar-se, ameaçaram-me de morte e agrediram-me com um cajado”. O primeiro-sargento
assumiu que puxou do seu bastão e que agrediu os feirantes, mas para se
defender até à chegada dos restantes militares, acrescentando que um terceiro
elemento, de 16 anos, tentou separar os envolvidos. Minutos depois, chegaram
mais militares que detiveram e algemaram os feirantes, transportando-os para o
posto, onde foi feito o expediente, afirmou Sérgio Malacão, garantindo não ter
tido mais contacto com os ofendidos.
"Assumo plenamente o que ocorreu durante as festas, mas
tudo o resto são mentiras e fantasias", afirmou o militar, que acrescentou
ainda estar a ser vítima de uma queixa-crime que provavelmente persegue uma
indemnização cível de 75 mil euros.
Segundo o despacho de acusação, Sérgio Malacão terá obrigado
os três feirantes a ficar de joelhos no posto, enquanto os agrediu com objetos
como um bastão, um chicote conhecido por "rabo de boi", uma
mangueira, um telefone e até uma ventoinha, entre outros, e de ter mesmo jogado
à roleta russa com um revólver apontado à cabeça de Carlos Dias, enquanto os
humilhava verbalmente.
Segundo o militar, os queixosos nunca saíram da secretaria
do posto enquanto foi elaborado o expediente, tendo sido de seguida libertados.
Vendedores ambulantes contam outra versão
Após terem saído do posto da GNR de Coruche, a família de
feirantes foi diretamente ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde foram
socorridos aos múltiplos ferimentos que apresentavam.
No dia seguinte, 17 de Abril, dirigiram-se ao escritório do
seu advogado, Manuel Mendes Ferreira, onde foram fotografadas as marcas de
agressão e foi redigida a participação efetuada ao MP, e que dá corpo a grande
parte do despacho de acusação.
No Tribunal de Coruche, Carlos e Diamantino Dias contaram
uma versão totalmente diferente do relato de Sérgio Malacão, mais próxima daquela
que consta da acusação, negando as injúrias, as agressões e as ameaças de morte,
mas os depoimentos de ambos chegaram a ser pouco consistentes e até
contraditórios em algumas partes que ficaram mal explicadas perante o coletivo
de juízes.
Os agredidos contaram que não houve qualquer briga no
recinto das festas, onde Carlos Dias foi, sem razão aparente, ameaçado e
agredido com um revólver e gás pimenta pelo militar, tendo Diamantino e Rafael
acorrido em defesa do pai.
De acordo com um dos vendedores, o militar “estava
embriagado” quando, vestido à civil, chegou ao local e perguntou ao seu pai:
“Ainda aqui estás?” De seguida, “apontou um revólver” ao familiar, a que se
seguiu “uma coronhada na cabeça”.
A defesa de Sérgio Malacão contrapôs esta versão, afirmando que
o primeiro-sargento estava devidamente uniformizado e de serviço nas festas.
Segundo o MP, os ofendidos foram encaminhados para o
interior do posto e colocados numa sala de “joelhos no chão”. O arguido
“começou a desferir pancadas na zona das costas e das cabeças dos três homens”,
primeiro com “um bastão” e depois com “um chicote”, além de pontapés.
A acusação sustenta que o primeiro-sargento utilizou ainda
“um telefone, uma ventoinha e uma mesa” para atingir os ofendidos na cabeça e
nas costas. “Seguidamente, pegou num revólver e, ao estilo do jogo da roleta
russa, apontou-o a um dos homens e percutiu o gatilho várias vezes, tendo ainda
vaporizado gás pimenta nos olhos das três vítimas”, acrescenta a acusação.
As presumíveis agressões aos três homens, sempre algemados,
continuaram num pátio, ainda no interior do posto da GNR de Coruche. Aí,
alegadamente, o arguido “desferiu pancadas nas costas das vítimas com uma
mangueira”, agarrou os cabelos do jovem de 16 anos e “atirou-lhe a cabeça
contra um jipe”.
Além dos episódios em que alegadamente estiveram envolvidos
dentro do posto da GNR de Coruche, os feirantes contaram ainda que Sérgio
Malacão agrediu à bofetada as esposas de ambos, o que também foi negado pelo
militar, que disse nem sequer ter estado em contacto com as mulheres.
Refira-se que Carlos e Diamantino Dias também são arguidos
neste processo, respondendo ambos pelos crimes de ofensa à integridade física,
ameaça e injúria, todos na forma agravada, por terem sido cometidos sobre um
agente da autoridade.
O julgamento prossegue a 9 de Abril, com a inquirição das
primeiras testemunhas arroladas pelos vendedores ambulantes.
Texto: Pedro Soeiro c/ LUSA e Rede Regional | Imagem: DR
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