Depois de anos de esforços e de avanços e recuos, os
primeiros linces ibéricos criados em cativeiro a serem reintroduzidos em
Portugal deverão ser libertados dentro de uma semana, no concelho de Mértola. É
o primeiro passo de um plano para soltar oito animais em território nacional,
de onde o lince tinha praticamente desaparecido ao longo do século XX.
A espécie Lynx pardinus é endémica da Península Ibérica – ou
seja, só existe em Portugal e Espanha e em mais lugar nenhum do mundo. Mas a
sua população foi minguando até restarem pouco mais de uma centena em Espanha e
quase nenhum em Portugal no princípio década passada. É um animal considerado
em “perigo crítico” de extinção, segundo a União Internacional para Conservação
da Natureza.
Nos últimos anos, vários linces criados em cativeiro em
Espanha e Portugal foram libertados em território espanhol. Agora é a vez de
Portugal, que pela primeira vez o fará em solo nacional. Se tudo correr como o
previsto, no próximo dia 16 de Dezembro, terça-feira, dois linces serão alvo de
uma “soltura branda”, ou seja, serão libertados numa zona cercada, com cerca de
dois hectares.
Aí permanecerão durante algumas semanas, para se adaptarem à
vida selvagem. Quando os técnicos que os irão monitorizar estiverem seguros de
que os animais estão prontos para uma vida completamente independente, então serão
por fim soltos na natureza.
O principal elemento necessário para o sucesso da
reintrodução do lince é o coelho bravo, o seu principal alimento. Uma variante
da doença hemorrágica viral, que afecta ciclicamente os coelhos, provocou
drástica redução da sua população nos últimos anos. Sem coelhos, não há
hipótese de os linces se fixarem em território nacional.
O Ministério do Ambiente sempre garantiu que os linces só
seriam libertados quando a situação dos coelhos fosse comprovadamente
favorável. O PÚBLICO solicitou mais detalhes, mas o ministério remeteu
quaisquer esclarecimentos para um momento mais próximo do dia da libertação,
argumentando que a data poderia ser alterada.
Em Mértola, porém, há sinais de que a situação melhorou. “A
percepção que temos é a de que houve uma ligeira recuperação em relação ao ano
passado”, afirma António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de
Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade, que representa os
donos de zonas de caça.
Quercus pede "justificação técnica"
Em 2013, praticamente não houve caça ao coelho na região. A
doença hemorrágica viral dizimou os animais. Mas este ano tem havido uma maior
actividade cinegética, embora a população de coelho bravo esteja ainda longe
dos números de há dois anos. António Soares acredita que “as coisas estão bem
encaminhadas”.
A associação ambientalista Quercus estranha que a libertação
ocorra agora. “Gostaríamos de conhecer a justificação técnica”, afirma Paulo
Lucas, dirigente da Quercus. “Estava prevista para Janeiro ou Fevereiro, estranhamos
a pressa”, completa.
O que mais preocupa a Quercus é haver poucos incentivos para
que os proprietários melhorarem o habitat do lince. Os prémios anuais de 10 a
100 euros por hectare, conforme o tamanho da propriedade, não são atractivos,
segundo a associação. “A libertação em si do lince é um fogacho. A reintrodução
de uma espécie é uma corrida de longo prazo”, diz Paulo Lucas.
Outras associações têm manifestado preocupações quanto à
libertação dos linces. Em Julho, a Federação Portuguesa de Caça e a
Confederação Nacional de Caçadores Portugueses criticaram vários aspectos do
processo, manifestando o temor de que haja uma espécie de competição com o
lince pelo coelho bravo e maior ingerência do Instituto da Conservação da
Natureza e das Florestas (ICNF) em matérias de gestão que estão hoje na esfera
dos gestores cinegéticos.
O período de caça ao coelho termina no final do ano. O
Ministério do Ambiente, segundo António Soares, comprometeu-se a avançar com a
libertação dos linces apenas após o fim do período das montarias, que se
estende até Fevereiro. Isto significa que os primeiros linces deverão
permanecer dois meses na área cercada, que fica numa zona de caça turística de
Mértola.
A Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e
da Conservação da Natureza garantiu dois mil hectares de terrenos favoráveis
para os linces, através de contratos com proprietários da região. Foi também
lançado um “pacto” para a preservação da espécie, envolvendo gestores de caça,
investigadores, organizações não-governamentais, representantes da agricultura
e instituições oficiais, no qual diz-se que “a presença do lince ibérico não
implicará a criação de limitações ou proibições” nos sectores cinegético,
agrícola e florestal.
Texto e Imagem: Jornal Público
Texto e Imagem: Jornal Público
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